Este espaço, quilombo eletrônico é uma Arma.
Uma berro, aos berros para chamar a atenção de nossa inércia cotidiana.
Aqui , desfilaremos textos, sons e imagens que nos façam remexer o espírito.
Aqui não é palco de luta. Palco de luta são as ruas.
Mas aqui poderemos dar corda às nossas frustrações. Poderemos falar, cortar esse sufoco que nos arrebenta.
Na boa Dom?
Estamos tão controlados e controladas,
Que essa matança em massa ai fora não nos movimenta pra nada.
Abrem-se cadeias na Bahia e todo mundo em silencio fazendo o relatório do financiamento.
Morrem meninos e meninas num padrão vil de genocídio e a gente faz seminário fingindo que não é com a gente.
De boa.
Aqui é pra se falar na lata!
Aos berros!
O que se quer....

quinta-feira, 6 de maio de 2010

DO ALTO DO ESCADÃO LÁ DE CASA EU OBSERVO O MUNDO

Abri a janela. Calor do carai. Já ta anunciada minha praga, hoje tem enterro, se pensar, pela barulheira que fizeram aqui fora ontem, fizeram Indio de bife batido. Só de coturno pisando a cabeça do muleque...vixe
“ai, ai minha mãe” ouvia a voz do menino
“agora tem mãe? Mãe uma porra, ou dá a “boca de fumo” ou "vai pra gaveta”
“Que boca moço, sou estudante”
“Cala boca caralho, cê vai istudá é com o diabo nos quinto dos inferno” o Estado fala forte nessas horas
Eu só ouvia, deitado no meu coxão no chão da sala de meu barraco, mandei a nega ficar na cozinha abaixada , luz apagada, não posso descrever a cara dos policia, mas pela voz os cara saíram de uma filme sinistro desses que passa de madrugada sobre guerra.
Posso descrever índio,ai posso. Muleque alto , 15 anos com cara de pateta mas com uma inteligência incomum nessas bandas, daqueles muleques adianto que cai no encanto dos bandidos.
“Índio pegue uma carteira da Charlton ali em seu Favinha ” fala um malaco veio que eu não sei o nome porque nun sô caguete
“Demoro”
respondia Índio já no caminho da função. Lá ia o muleque correndo com uma nota de 20 pratas na mão, segurando a bermuda folgada com outra para em poucos minutos entregar a mercadoria ao destino e pegar sua gorjeta. Era assim e daí era o dia todo, comprar um frango assado para depois da larica dos parceiro, dar um recado a mãe de um que não volta em casa hoje, buscar a irmã de outro na escola, carregar a compra de uma mãe em apuros e fumar muita maconha de bombeira na lage.
Tinha um romance secreto na quebrada, com o Zizinho, filho de Zé do galo, pegou o muleque vestindo a calcinha da irmã no natal, tirou uma foto do celular e desde então tem extorquido uns carinhos do Zizinho seu antigo colega de primário, Indio nunca saiu do primário, Zizinho sim, talvez foi nos livros que apreendeu a fazer aquilo com a língua em sua orelha...bagulho louco. Quando acabavam no encontro secreto, ele botava uma cara de zangado...tipo sujeito homem, mas adorava aqueles amaços e Zizinho...suspirava dia e noite por seu amante mas carinhoso e apaixonado. Isso quem me disse foi o próprio Zizinho, no enterro, tava de preto e chorava muito. Perdeu seu amor pra sempre e prematuramente.
A policia todo dia entra aqui procurando a boca, dá uns paus nuns muleque, toma cerveja e wuisk em João da Goela , lá pelas tantas vai na boca de fumo da uma tapas numa boa maconha com os traficantes e já era.
Mas nesse dia , não foi assim não, o barato saiu do controle, foram tantas bordoadas no pobre Índio que ele ficou esticado pelo escadão, sem socorro, sagrando pacas e gemendo baixo, agonizando mesmo enquanto os PMs decidiam o que fazer.
“Deixa ai rapa é vagabundo mermo”
“É melhor nós dá socorro, leva no HGE, diz que encontramo ele assim, que foi briga de droga se a imprensa inguli todo mundo ingole”
“Mas tem esses cara do Movimento Negro fazendo zuada por qualquer arranhão que a gente dê em malandro, vão querer investigar e ai suja”
“Esses ai o Governador cuida”
“Ta bom então, vamo fumar um que eu já to é bolado, e sua filha, passou no vestibular?”
E os caras saíram conversando, numa boa enquanto que o corpo de India ficou ali, no frio da noite, a alma evaporando a agonia entrando por nossos barracos ... a vida levada desse jeito.
......................
Acordei cedo apesar da longa noite que tive, peguei meu melhor sapato, a melhor calça e uma camisa preta que a tempos não uso
Fiz o que tinha que fazer em casa e fui na barbearia de Dorinho saber das novidades da morte de Índio.
“ Morreu só de pancada, o sargento era quem mais batia no menino
Mas todo mundo deu sua bordoada”
“Agora pra que ele foi andar com ladrão”
fala seu Atenor com sotaque de gente de ilhéus,
“quem com porcos se mistura , farelo comi”
“Ou comi capim pela raiz “
Fiz minha barba calado e calado fiquei até me aprontar pra ir ao enterro.
Sai na porta, o muleque grita
“Bora seu Alfredo”
O menino veste roupa larga e sandálias dessas de propaganda de televisão
“o enterro é as cinco, nas Quintas dos Lázaros vai ter um ônibus pra levara a gente , quem deu foi um Vereador’.
É ano de eleição, vai ter um monte de sangue suga em cima do corpo do menino, vão roer a carcaça antes dos vermes. Vermes

Hamilton Borges Walê

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